Marcos Fabrício Lopes da Silva*
Gosto de escrever sobre o que me toca. O que me
toca não me deixa sossegado assim como não deixo sossegado o que me toca.
Fiquei à flor da pele, ao tomar ciência da música-poema Pobre Nem Ipod, cuja autoria emana da criatividade do escritor
DuduLuizSouza. Tomem nota do nome completo do poeta em destaque: Luiz Eduardo
Rodrigues de Almeida Souza. Mestre em Educação
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2011) e graduado em
Letras pela Universidade Federal de Viçosa (2003), o multiartista compôs a
seguinte façanha e repercutiu a voz dos ignorados pela globalização de teor
mais excludente:
“Pobre não pode, nem (a)ipod, ou pode?, tão
pouco com tanta tecnologia vinda da maçã transnacional já que enfim we are
champions dentro deste world same as the vermelha apple que aquela professora
ganhou in início deste movie da nação way of life, descarrilhada ao longo da
vida e sem visão down on the floor do jardim deste cemitério globalizante da
morte those personagens periféricas that território chamado planet terra que,
nesta parada do espaço, comeu o vômito digitalizado com sabor de chip guardado
naquele website intitulado humanity globolitarizada, ou humanidade
globalmilitarizada”.
O texto do poeta mineiro dialoga fecundamente com a
antropofagia modernista proposta por Oswald de Andrade, digerindo, com gosto
criativo, Willian Shakespeare, em Hamlet.
To be or not to be? That’s
the question! – escreve o dramaturgo inglês. Na periferia do capitalismo, o
poeta paulista, como um verdadeiro ponta-de-lança,
dispara: Tupi or not tupi? That’s the
question!. Enquanto Shakespeare reivindica o protagonismo do “ser” (to be) diante do “ter” (not to be), considerando o contexto da
peça em questão, na qual a família dirigente do Reino da Dinamarca se dissolve
em frangalhos, por conta de acirradas disputas patrimoniais entre os seus
membros, Oswald de Andrade destaca o protagonismo indígena no processo de
constituição e desenvolvimento da sociedade brasileira. DuduLuizSouza, investido
de experimentalismo poético ímpar, parece sugerir: Ipod or not Ipod? That’s the question!.
A cultura digital é o novo paraíso artificial da vez, reforçando mais uma vez a prática
histórica de que a balança comercial do mundo favorece os produtos tecnológicos
de maior valor agregado. Fernando Henrique Cardoso reeditado: uma Neoteoria da Dependência toma corpo, e o
Brasil, na tentativa de conciliar Chiclete
com Banana, continua banguela e exportando o melhor de sua comida. Somos um
país tecnologicamente modificado, onde dividimos a atenção de nossas mãos entre
o passado tacape e o futuro celular. Estamos conectados em rede, menos os
pejorativamente chamados de analfabytes.
Como é cruel a estigmatização generalizada, isto é, a “humanity globolitarizada”, segundo o parecer preciso do poeta,
mergulhado no torvelinho histórico do seu tempo. DuduLuizSouza trata bem a ferida: existem
poucas maçãs para muitas Evas. O modelo globalização-titanic
continua. Não têm botes salva-vidas para toda a tripulação: logo, prioridade
para os cidadãos de “primeira classe”. Steve Jobs, Midas cibernético, morreu e
guardou para si a fórmula de transformar em ouro tudo o que toca. Nas palavras
do poeta mineiro, andamos desgovernados nos trilhos governados pelo american way of life. Maneira soft de dizer com todas as letras:
“capitalismo parasitário”, conforme adverte Zygmunt Bauman.
Na esteira do refletir proposto por DuduLuizSouza, fica
a pergunta: por que o Brasil, à maneira neoliberal, “comeu o vômito digitalizado com sabor de chip guardado naquele website intitulado humanity globolitarizada”? Bauman, em Capitalismo Parasitário (2010), explica: “A cooperação entre Estado
e mercado no capitalismo é a regra; o conflito entre eles, quando acontece, é a
exceção. Em geral, as políticas do Estado capitalista, ‘ditatorial’ ou
‘democrático’, são construídas e conduzidas no
interesse e não contra o interesse
dos mercados; seu efeito principal (e intencional, embora não abertamente
declarado) é avalizar/permitir/garantir a segurança e a longevidade do domínio do mercado”.
Considerando
as palavras do escritor mineiro, por trás dos escombros do “cemitério
globalizante” (agonizante!), encontra-se um contexto sombrio e bombástico,
literal e metaforicamente falando. A respeito, Ricardo Silvestrin, em O menos vendido (2006), canta a pedra:
“caiu o muro de Berlim/e o socialismo veio abaixo/caíram as torres gêmeas/e o
capitalismo foi pra cima”. Preferimos confiar nas forças armadas a acreditar na
leveza desarmada. A militarização até os dentes de chumbo do sistema se afirma
até nas lágrimas de hipocrisia choradas pela “verba”, diante do “verbo” em
estado terminal.
Em
um mundo falsamente integrado, compreende-se o porquê do hino apoteótico We are the champions! Mas, como ficam os
“perdedores” nesta “aldeia global”? Os fracos não têm vez? Sobrevivem só os
mais fortes? Sustentamos um modelo insustentável de desenvolvimento: consumo de
século XXI, mas cidadania de século XIX. Já em 1821, Hegel, ao analisar a sociedade
capitalista nos seus primórdios, estabeleceu, em Princípios da Filosofia do Direito, que a pauperização econômica
acarretaria enormes desvantagens em termos de educação, formação profissionalizante,
cultura, grau de informação, sentimento de justiça e autoestima. O
“desfavorecimento”, mesmo em apenas uma área parcial, produz uma “reação em
cadeia de exclusão” que resulta, não em último lugar, na “pobreza política”.
Nesse sentido, o poema de DuduLuizSouza nos revela que se podemos falar de
“globalização”, trata-se de uma globalização sob a lei do capital; em outras
palavras, a mundialização é uma monetarização. O capitalismo pode conviver com
isso, mas a democracia, não.
*
Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em
Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.